O extinto Povoado Boacica era um dos mais antigos do município de Igreja Nova. O mistério que envolve o seu fim, na década de 70, ainda é bastante comentado pela população, que atribui o declínio do lugar a praga de um padre. Estima-se que sua habitação primitiva data do fim do século XVIII. O primeiro registro que descreve o lugar é de 1871, quando o geógrafo Thomaz Espíndola, ao fazer um levantamento da então Província das Alagoas, faz uma descrição do local. Antes da Emancipação Política de Igreja Nova, o povoado pertencia a cidade de Penedo. Espíndola, ao descrever as Igrejas de Penedo e zona rural, refere-se as capelas de Jesus, Maria e José e a da Santa Cruz, do povoado Boacica.
A grande região, conhecida como Boacica, possuía algumas divisões. Existia a Boacica de cima, onde residiam os Nunes, família tradicional do povoado; a Boacica do meio e a de baixo, chamada de Barra da Palmeira. Além dos Nunes, outras famílias tradicionais residiam por lá, como os Pereiras, Cadetes, Rodrigues e “Capoeiras”. O nome do povoado é proveniente da língua Tupi e deriva-se do grande rio que passava no local, originando-se das palavras indígenas “mboîa”, cujo significado é cobra, e “syca”, que se refere a chegada, sendo entendido como chegada das cobras. Foi nas margens do rio, que foram edificadas as primeiras casas, e ali começou a povoação do lugar. A agricultura predominava no local, com plantações de arroz e mandioca. A pescaria era a subsistência do povo boaciquense.
Em seu auge, já no século XX, o povoado chegou a ter cerca de 3.000 habitantes, e como todo interior, a igreja era o coração do local. A capela da Santa Cruz, descrita por Espíndola, tinha como Padroeiro Santo Antônio. O local, que possuía inúmeras casas construídas de taipa, continha vários declives no solo, o que tornava uma característica. A vida para os ribeirinhos era difícil, assim como na cidade. Durante as cheias do rio, as águas chegavam a atingir aS residências do povoado. Existia uma precariedade muito grande no lugarejo. Porém, já próximo ao seu fim, o povoado usufruía de escolas e mínimo desenvolvimento.
Dos boaciquenses que se destacaram, podemos citar o senhor Abílio Rodrigues, um homem precavido e organizado. Em 1970, quando ocorreu uma grande escassez de farinha de mandioca, alimento substancial para a população igreja-novense, Seu Abílio foi o responsável por distribuir a farinha de sua reserva para a população, que diferente de outros anos, recebiam farinha de outras cidades. Segundo antigos moradores, era uma farinha ruim, sem gosto, inclusive alguns diziam ser feita de raízes de tamarindeiras. Este período ficou marcado na história Igreja-novense como o tempo da “rola voou”, termo usado para se referir a farinha duvidosa. No entanto, esta história fica para uma próxima publicação.
O caso que aqui nos interessa é sobre o fim do povoado, que se deu de forma gradativa, devido a migração das pessoas para outros lugares. Um grande fazendeiro, denominado de João Idalino Vasconcelos, comprava boa parte das terras do lugar, e no fim dos anos 70 já existiam poucas pessoas morando no local. Por outra vertente, a mais famosa na região, contam antigos moradores que o povoado se acabou devido a praga de um padre, atribuída a Frei Canízio. Durante algumas semanas, os padres iam evangelizar no local. Enquanto o sacerdote descansava, algumas crianças brincavam no pátio da igreja e faziam muito barulho. O acesso ao local era difícil, e feito a cavalo. Querendo descansar o padre abriu a porta e pediu para que os meninos fossem brincar mais adiante, e parassem de fazer barulho. Quando uma dessas crianças chegou em casa, contou a seu pai que o reverendo padre havia lhe dado chibatas. O pai do garoto foi tirar satisfações com o padre, que sob ameaças, imediatamente já disse que o fato não procedia. Logo mais, à noite, durante a pregação do evangelho na santa missa, o sacerdote contou o ocorrido para toda a assembleia:
— Levantaram um falso a mim… aqui! Como é que foram dizer que eu dei chibatada nas crianças? Não dei chibatada em ninguém!
Prontamente, o frei abriu os braços e disse:
— Pode atirar! estou aqui de braços abertos…
Deixando toda a população com extremo espanto. Foi nesta hora que a famosa praga foi rogada:
— Só tem uma. Digo a vocês: este povoado vai se acabar! Eu tenho fé em deus, que este povoado não vai mais à frente, esta igreja ainda vai ser coberta de melão!
O fato é que após este ocorrido, a igreja ficou paralisada, não se teve mais festa religiosa no lugar e a população, à medida que o tempo passava, se mudava para outras regiões, deixando o local quase que sem habitantes Após alguns anos, com a construção da Barragem Boacica, em 1984, os pouquíssimos moradores dali tiveram de deixar o local, as águas já tomavam contam da região, o que fez a Codevasf indenizar os proprietários de terra do lugar. Em períodos que o rio não enfrentava suas cheias, ainda era possível ver os resquícios da igreja e do cruzeiro que ficava de frente. Devido à forte cheia do Boacica em 2022, as águas derrubaram toda o frontispício que sobrava da capela, restando somente o cruzeiro e o cemitério, que ficam na parte mais alta do povoado.
O local onde se encontra a igreja deu lugar a uma vasta vegetação, que é atribuída a praga do tal padre. No altar central, onde ficavam guardadas as hóstias consagradas, nasceu uma árvore, que mesmo nos períodos de extrema seca do Rio Boacica nunca chegou a morrer, o que muitos acreditam ser algo sobrenatural.
Texto: Mathews Gomes
Revisão: Raphaella Aguiar
Fotos: Leandro Ignácio